terça-feira, 2 de setembro de 2014

10 – A dama do cachorrinho – A. Tchekov

O conto “A dama do Cachorrinho” foi um dos últimos contos escritos por Tchekov (escritor russo que viveu entre 1860 e 1904) e para muitos o melhor. Com elegância ele vai nos mostrando como um novo e inesperado amor vai se impondo na vida vazia de um homem maduro. É o que é marcante é que Tchekov não conta e nem descreve, ele prefere nos mostrar por frases, reflexões e comportamentos a personalidade de seu personagem. Uma aula de como escrever um conto. 
A dama do cachorrinho
I
Comentava-se que na avenida à beira-mar tinha surgido uma cara nova: uma dama com um cachorrinho. Dmítri Dmítritch Gúrov, que estava em Ialta havia duas semanas e já se acostumara ao lugar, começou também a se interessar por gente nova. Sentado no pavilhão do Vernais, viu passar pela calçada da praia uma jovem senhora, loura, baixa, de boina; atrás dela corria um lulu da Pomerânia branco.
Depois ele a encontrou no jardim municipal e na praça várias vezes ao dia. Ela passeava sozinha, sempre com a mesma boina e o lulu branco; ninguém sabia quem ela era e a chamavam simplesmente de “a dama do cachorrinho”.
“Se ela está aqui sem marido e sem conhecidos”, pensava Gúrov, “não seria demais conhecê-la.”
Ele ainda não completara quarenta anos, tinha uma filha de doze e dois filhos no ginásio. Fizeram-no casar cedo, quando ainda estava no segundo ano da faculdade, e agora sua esposa parecia ter o dobro de sua idade. Ela era uma mulher alta, de sobrancelhas escuras, ereta, importante, sólida e, como ela se autodenominava, pensante. Lia muito, em suas cartas não usava o sinal duro[57], chamava o marido de Dimítri, e não Dmítri[58], e secretamente ele a considerava uma pessoa medíocre, estreita, sem graça; tinha medo dela e não gostava de ficar em casa. Começara a traí-la há muito tempo; traía com freqüência, e talvez por isso quase sempre falava mal das mulheres; e quando na sua presença a conversa girava em torno delas, ele as chamava assim:
– Raça inferior!
Parecia-lhe que o que ele aprendera com experiências amargas lhe dava o direito de chamá-las como quisesse, porém não conseguia passar nem dois dias sem a “raça inferior”. Na companhia dos homens ele se sentia entediado, pouco à vontade, ficava calado e frio; mas, no meio das mulheres, sentia-se livre e sabia o que dizer e como se comportar. Era-lhe fácil até mesmo ficar calado na presença delas. Na sua aparência, no seu caráter, em todo o seu modo de ser havia algo sedutor, imperceptível, que predispunha favoravelmente as mulheres em relação a ele e as atraía.
Sua farta experiência, na realidade uma experiência amarga, há muito lhe ensinara que toda aproximação, que no início traz uma agradável variedade à vida e que promete ser uma aventura leve e divertida, no caso de pessoas da alta sociedade, especialmente os moscovitas, indecisos e lentos na ação, fatalmente se transforma num problema terrivelmente complexo, e no final a situação se torna muito penosa. Porém, a cada novo encontro com uma mulher interessante era como se essa experiência escapasse da memória; dava vontade de viver, e tudo parecia simples e divertido.
E então, uma tarde, aconteceu que ele estava almoçando no jardim, e a dama com a boina aproximou-se devagar para ocupar a mesa vizinha. Sua expressão, a maneira de caminhar, o vestido, o penteado, tudo lhe dizia que ela era da boa sociedade, casada, estava em Ialta pela primeira vez e sozinha, e que se sentia entediada ali... As narrativas sobre a imoralidade dos costumes locais continham muitas inverdades, e ele as desprezava por saber que tais relatos eram criados por pessoas que de bom grado pecariam se soubessem fazê-lo. Mas, quando a dama se sentou à mesa vizinha a três passos dele, vieram à sua lembrança aquelas histórias de conquistas fáceis, de excursões às montanhas, e a atraente ideia de um relacionamento rápido, efêmero, de um romance com uma mulher desconhecida, de quem não se sabe nem nome nem sobrenome, de repente tomou conta dele.
Gúrov chamou carinhosamente o cachorrinho e, quando este se aproximou, fez- lhe um gesto de repreensão com o dedo. O cachorro rosnou; Gúrov tornou a repreendê-lo com o dedo.
A dama lançou-lhe um olhar e imediatamente baixou os olhos.
– Ele não morde – disse corando.
– Posso dar um osso a ele? – perguntou Gúrov e, quando ela balançou a cabeça afirmativamente, perguntou em tom amistoso: – A senhora está em Ialta há muito tempo?
– Uns cinco dias.
– Quanto a mim, já me arrasto aqui faz duas semanas.
Calaram-se por um instante.
– O tempo passa depressa, mas, ao mesmo tempo, isto aqui é um tédio! – disse ela sem olhar para ele.
– Não passa de um hábito dizer que aqui é um tédio – disse ele. – O burguês leva sua vida em algum lugar, em Beliov ou Jizdra[59], e não sente tédio, mas quando chega aqui: “Ai, que tédio! Ai, quanta poeira!”. Pode-se até pensar que ele veio de Granada.
Ela riu. Depois ambos continuaram a comer em silêncio, como dois desconhecidos. Porém, quando terminaram, puseram-se a caminhar juntos, iniciando uma conversa bem-humorada, leve, de pessoas livres e felizes, para quem não importava para onde ir nem sobre o que falar. Ficaram passeando e fazendo comentários sobre a estranha luminosidade do mar. A água tinha um tom lilás, suave e quente, e por ela se estendia uma faixa dourada de luar. Comentaram que ficava abafado depois de um dia de calor. Gúrov contou que era moscovita, formado em filologia, mas trabalhava num banco. Em certa época se preparou para cantar numa companhia privada de ópera, mas desistiu; tinha duas casas em Moscou... E dela, ele soube que crescera em Petersburgo, mas se casara em S., onde vivia já há dois anos, que ficaria em Ialta cerca de um mês e que talvez o marido viesse se juntar a ela, pois ele também queria descansar. Ela não soube dizer onde seu marido trabalhava – se no governo da província ou no zemstvo provincial – e ela mesma achou graça nisso. E Gúrov ainda ficou sabendo que ela se chamava Anna Serguêievna.
Mais tarde, no quarto do hotel, ficou pensando nela e imaginou que na certa eles se encontrariam no dia seguinte. Era o que deveria acontecer. Ao se deitar, passou-lhe pela cabeça que há muito pouco tempo ela ainda era uma colegial, estudava, como agora fazia a sua filha, e lembrou-se de quanto havia de timidez e falta de traquejo no seu riso, na conversa com um desconhecido – essa devia ser a primeira vez na sua vida que ela ficava sozinha numa situação como aquela, com pessoas que a procuravam e olhavam para ela com um único e secreto objetivo, o qual era impossível que ela não adivinhasse. Ele se lembrou de seu pescoço fino e frágil e de seus belos olhos cinzentos.
II
Passou-se uma semana desde que se conheceram. Era um feriado. Nos quartos estava abafado e, nas ruas, o vendaval levantava poeira, arrancava os chapéus. A sede atormentou durante todo o dia; Gúrov volta e meia ia ao pavilhão e oferecia a Anna Serguêievna ora água gasosa com xarope, ora sorvete. Não havia onde se refugiar.
À tardinha, quando o vento amainou um pouco, eles foram para o cais ver a chegada do vapor. No embarcadouro, muitas pessoas passeavam; estavam ali à espera de alguém e carregavam flores. Naquele lugar, nitidamente chamavam a atenção duas características da elegante multidão ialtense: as senhoras maduras vestiam-se como as jovens e havia muitos generais.
Devido à agitação do mar, o vapor chegou tarde, quando o sol já se havia posto, e, antes de atracar, ficou muito tempo virando-se. Anna Serguêievna olhava através do lorgnon para o vapor e para os passageiros como a procurar algum conhecido, e seus olhos brilhavam quando se dirigia a Gúrov. Falava muito, suas perguntas eram entrecortadas, ela mesma logo se esquecia do que havia perguntado. Mais tarde perdeu seu lorgnon no meio da aglomeração.
A multidão bem-vestida se dispersou, os rostos já não eram visíveis, o vento cessou totalmente, mas Gúrov e Anna Serguêievna continuavam parados, como se esperassem para ver se não sairia mais alguém do vapor. Anna Serguêievna já não falava e cheirava as flores, sem olhar para Gúrov.
– O tempo à noite melhorou – disse ele. – Aonde vamos agora? Que acha de irmos a algum lugar?
Ela não respondeu.
Então ele a olhou fixamente, abraçou-a de repente e lhe deu um beijo na boca, envolvido pelo aroma e pela umidade das flores, mas logo depois olhou em volta assustado: não teria alguém visto?
– Vamos para o seu quarto... – disse ele baixinho.
E ambos partiram apressados.
O quarto dela estava abafado e havia cheiro dos perfumes que ela comprara numa loja japonesa. Vendo-a naquele momento, Gúrov pensava: “Que encontros não acontecem na vida!”. Do seu passado ele guardava a lembrança de mulheres despreocupadas, afáveis, contentes pelo amor, gratas a ele pela felicidade – embora muito curta – e também a de outras, como sua esposa, por exemplo, que amavam sem sinceridade, com discursos desnecessários, com afetação, histeria e uma expressão tal, como se aquilo não fosse amor, não fosse paixão, e sim algo mais significativo; e também duas ou três muito belas, frias, em cujo rosto perpassava um ar obstinado de ave de rapina, como se desejassem arrebatar da vida mais do que ela pode dar; tais mulheres já haviam passado da primeira juventude, eram caprichosas, avessas ao raciocínio, autoritárias e burras, e quando Gúrov esfriava em relação a elas, sua beleza começava a despertar ódio nele, e as rendas de sua lingerie lembravam-lhe escamas.
Mas, no caso atual, permanecia aquela timidez, a falta de traquejo da
juventude inexperiente, a sensação de embaraço; havia um ar de desnorteamento, como se alguém de repente tivesse batido à porta. Anna Serguêievna, a dama do cachorrinho, em relação ao que acontecera reagiu de um modo um tanto especial, com muita seriedade, como se aquilo significasse sua queda – era a impressão que dava, e isso era estranho e descabido. Seu rosto ficou abatido, murcho; seus longos cabelos pendiam dos lados do rosto; ela ficou meditativa, numa pose de desalento, parecia uma pecadora de uma gravura antiga.
– Foi errado – disse ela. – Agora o senhor será o primeiro a não me respeitar.
Havia sobre a mesa uma melancia. Gúrov cortou um pedaço e pôs-se a comer sem pressa. O silêncio durou pelo menos meia hora.
Anna Serguêievna estava comovente e exalava a pureza da mulher decente, ingênua e inexperiente; a vela solitária que ardia sobre a mesa mal iluminava seu rosto, mas era visível que ela estava sofrendo.
– Por que motivo eu deixaria de respeitá-la? – perguntou Gúrov. – Você não sabe o que está dizendo.
– Que Deus me perdoe! – disse ela, e seus olhos encheram-se de lágrimas. – Isto é terrível!
– Parece que você está se justificando.
– Como poderia me justificar? Sou uma mulher ruim, baixa, eu me desprezo e não penso em me justificar. Traí não o meu marido, mas a mim mesma. E não foi somente agora, já o traio há muito tempo. Meu marido talvez seja um homem bom e honrado, mas é um lacaio! Não sei o que ele faz lá, em que trabalha, só sei que é um lacaio. Quando me casei, eu tinha vinte anos, ardia de curiosidade, ansiava por algo melhor. Pois existe, dizia para mim, uma outra vida. Eu queria viver! Viver, viver... A curiosidade me queimava... O senhor não entende isso, mas, juro por Deus, eu já não conseguia me controlar, algo me aconteceu e eu fiquei fora de mim, então disse ao meu marido que estava doente e vim para cá... E, aqui, andava todo o tempo como se estivesse embriagada, como uma louca... e então me tornei uma mulher vulgar, sem valor, que qualquer um pode desprezar.
Gúrov já estava aborrecido de ouvir aquilo; irritava-o o tom ingênuo, o arrependimento tão inesperado e inoportuno; se não fossem as lágrimas em seus olhos, seria possível pensar que ela estava brincando ou representando um papel.
– Não entendo – disse ele baixinho –, o que você quer?
Ela escondeu o rosto no peito dele e ali permaneceu, agarrada a ele.
– Acredite em mim, acredite, eu lhe suplico... – disse ela. – Eu amo uma vida honesta, pura, tenho horror ao pecado, mas eu mesma não sei o que estou fazendo. As pessoas simples dizem: foi tentação do demônio. Eu também posso dizer agora que o demônio me tentou.
– Já chega, já chega... – balbuciou ele.
Olhando-a nos olhos imóveis e assustados, beijou-a, conversou com ela em voz baixa e com carinho, e pouco a pouco ela se acalmou, recuperou a alegria e ambos puseram-se a rir.
Mais tarde saíram. Na avenida à beira-mar não havia ninguém; a cidade, com seus ciprestes, parecia totalmente morta, mas o mar estava barulhento e batia contra a margem; uma barcaça solitária oscilava nas ondas e nela piscava uma lanterna.
Conseguiram encontrar uma charrete e foram para Oreanda.[60]
– Há pouco, lá em baixo, na portaria, fiquei sabendo seu sobrenome: no quadro está escrito von Dideritz – disse Gúrov. – Seu marido é alemão?
– Não, o avô dele, parece, era alemão, mas ele mesmo é ortodoxo.
Em Oreanda, sentaram-se num banco perto da igreja e ficaram calados, olhando o mar embaixo. Mal se avistava Ialta através da névoa matutina, e nos cumes das montanhas nuvens brancas pairavam imóveis. A folhagem das árvores estava quieta, cigarras cantavam e o ruído surdo e monótono do mar, vindo de baixo, falava de repouso, do sono eterno que nos espera. Esse barulho já se fazia ouvir ali quando não havia nem Ialta, nem Oreanda; ele se faz ouvir agora e será assim também no futuro, surdo e indiferente, quando nós não mais existirmos. E nessa constância, nessa completa indiferença em relação à vida e à morte de cada um de nós, esconde-se, talvez, a garantia de nossa salvação eterna, do incessante movimento da vida na terra, do seu contínuo aperfeiçoamento. Sentado ao lado de uma jovem mulher, que no amanhecer parecia tão bela, tranquilizado e enfeitiçado pela visão desse panorama fantástico – o mar, as montanhas, as nuvens, o amplo céu –, Gúrov pensava que, no fundo, se refletirmos bem, tudo neste mundo é maravilhoso; tudo, exceto aquilo que nós mesmos pensamos e fazemos quando esquecemos das finalidades supremas da existência e da nossa dignidade como homens.
Alguém se aproximou – devia ser um vigia –, olhou para eles e foi embora. Esse detalhe também lhe pareceu misterioso e belo. Via-se a chegada do vapor que vinha de Feodócia, iluminado pela aurora matutina e já de luzes apagadas.
– Há orvalho sobre a relva – disse Anna Serguêievna, quebrando o silêncio. – É, já é hora de ir para casa.
Voltaram para a cidade.
Daí em diante, todos os dias eles se encontravam ao meio-dia na avenida à beira-mar, almoçavam juntos, passeavam, admiravam o mar. Ela se queixava de que dormia mal, de que seu coração batia de maneira angustiada, e fazia sempre as mesmas perguntas, preocupada ora pelo ciúme, ora pelo pavor de que ele não a respeitasse o suficiente. E frequentemente, na praça ou no jardim, quando não havia ninguém por perto, ele a puxava para si e a beijava com paixão. O ócio total, os beijos em plena luz do dia, cheios de cautela e do medo de que alguém os pudesse ver, o calor, o cheiro do mar, o perpassar incessante de pessoas bem- vestidas, festivas e bem-alimentadas pareciam havê-lo transformado. Ele dizia a Anna Serguêievna o quanto ela era bonita, sedutora; demonstrava uma paixão impaciente, não saía do seu lado; já ela, ficava muitas vezes pensativa e continuava a lhe pedir que reconhecesse que ele não a respeitava, não a amava nem um pouco e só via nela uma mulher vulgar. Quase todas as noites, mais tarde, eles iam para algum lugar fora da cidade, para Oreanda ou para a cachoeira. E o passeio era sempre um sucesso, as impressões eram invariavelmente maravilhosas, grandiosas.
Aguardavam a vinda do marido, mas chegou uma carta dele na qual comunicava que adoecera da vista e suplicava à esposa que voltasse para casa o mais rápido possível. Anna Serguêievna se apressou em partir.
– É bom que eu vá embora – disse a Gúrov. – Deve ser o destino.
Ela partiu numa carruagem e ele a acompanhou. Viajaram um dia inteiro. Já acomodada no vagão do trem expresso, depois do segundo sinal ela disse:
– Deixe-me olhar mais uma vez para o senhor... Mais uma vez. Assim.
Ela não chorava, mas estava triste, parecia doente, e seu rosto tremia.
– Vou pensar no senhor... Vou me lembrar – dizia. – Fique com Deus. Não pense mal de mim. Estamos nos despedindo para sempre, isso é necessário, pois nunca deveríamos ter nos encontrado. Bem, fique com Deus.
O trem partiu rapidamente, suas luzes logo sumiram, e um minuto depois não havia mais nem um ruído, como se tudo houvesse sido tramado de propósito para interromper rapidamente aquele sonho, aquela loucura. Sozinho na plataforma, olhando a escuridão distante, Gúrov ouvia o cricrilar dos grilos e o zumbido dos fios telegráficos, com a sensação de que acabava de despertar. Veio-lhe à mente que na sua vida acontecera mais uma conquista ou uma aventura, e que também esta havia terminado, restando agora uma recordação... Ele estava emocionado, triste, e sentia um leve remorso: pois aquela jovem, que ele nunca mais veria, não fora feliz na sua companhia. Ele tinha sido amistoso e gentil com ela; entretanto, no seu modo de tratá-la, no seu tom e nos seus carinhos, como uma sombra transparecia uma leve caçoada, uma arrogância meio rude do homem feliz que, além do mais, tinha o dobro de sua idade. Todo o tempo ela dizia que ele era bondoso, extraordinário, superior; era evidente que ele lhe parecia diferente do que era na realidade; portanto, sem querer ele a enganou...
Ali, na estação, já se sentia o cheiro do outono e à noite começava a fazer um friozinho.
“Está na hora de voltar para o norte” – pensava Gúrov, deixando a plataforma. “Está na hora!”
III
Em casa, em Moscou, tudo já funcionava como no inverno: acendia-se o fogo nas estufas e, de manhã, quando as crianças se arrumavam para a escola e era servido o chá, ainda estava escuro, e a babá acendia as luzes por pouco tempo. O frio chegara. Quando cai a primeira neve, no primeiro passeio de trenó, é agradável ver o chão e os telhados brancos; a respiração fica leve, agradável, e nesse momento vêm à lembrança os anos de juventude. As velhas tílias e bétulas, brancas de geada, têm uma aparência acolhedora, são mais próximas ao coração do que os ciprestes e palmeiras, e junto a elas já não há vontade de pensar em montanhas e mar.
Gúrov era moscovita e regressou a Moscou num belo dia de inverno. Quando vestiu seu casaco de pele e luvas grossas e saiu para um passeio pela Petrovka[63], e quando, mais tarde, no sábado à noite, ouviu o repique dos sinos, sua recente viagem e os lugares onde estivera perderam para ele todo o encanto. Mergulhou aos poucos na vida moscovita, já lia com avidez três jornais diariamente e dizia que, por princípio, não lia jornais de Moscou.
Já tinha vontade de ir aos restaurantes, aos clubes, aos almoços festivos e jubileus, e novamente se sentia lisonjeado por receber em sua casa advogados e artistas famosos e por jogar cartas com um catedrático no clube dos doutores. E já conseguia comer uma porção inteira de caçarola de peixe ou carne, com chucrute...
Gúrov pensava que, passado um mês, Anna Serguêievna ficaria coberta de névoa na sua lembrança e só raramente apareceria em seus sonhos, com seu sorriso comovente, como as outras apareciam. Porém, mais de um mês havia passado, o inverno estava no auge e na sua memória tudo permanecia tão claro como se ele tivesse se separado de Anna Serguêievna apenas na véspera. As recordações avivavam-se cada vez com mais força. Se no silêncio da tarde chegavam ao seu gabinete as vozes das crianças que faziam seus deveres de casa, se ele ouvia uma romança ou o órgão num restaurante ou se a nevasca começava a uivar na chaminé da lareira – de repente tudo ressuscitava na sua memória: o que acontecera no cais, a madrugada na bruma das montanhas, o vapor de Feodócia, os beijos... Ele caminhava muito tempo pelo aposento, recordando, sorrindo; mais tarde, as lembranças se transformavam em sonhos e na sua imaginação o passado se misturava com o que ainda viria. Anna Serguêievna não era um sonho, ela o seguia por toda parte como uma sombra, observando-o. De olhos fechados, ele a via como uma pessoa viva, e ela lhe parecia mais bonita, mais jovem, mais delicada do que na realidade; também ele próprio se via melhor do que fora em Ialta. À noite, lá estava ela na estante de livros, na lareira, no canto do gabinete, olhando-o; ele ouvia sua respiração e o suave farfalhar de sua roupa. Na rua, ele acompanhava as mulheres com o olhar, procurando alguma parecida com ela...
Gúrov já se sentia angustiado e queria compartilhar com alguém suas lembranças, mas em casa era impossível falar do seu amor, e fora de casa não havia com quem. Não haveria de ser com os inquilinos nem no banco. E sobre o que ele poderia falar? Por acaso naquela ocasião ele sentiu amor? Houve, por acaso, alguma coisa bonita, poética, instrutiva ou simplesmente interessante em sua relação com Anna Serguêievna? O único jeito era falar de maneira indeterminada sobre o amor, as mulheres, e ninguém desconfiava da verdade. Apenas sua esposa levantava as sobrancelhas escuras e dizia:
– O papel de fátuo não combina nem um pouco com você, Dimítri.
Certa vez, à noite, saindo do clube dos doutores na companhia de um funcionário público, seu parceiro no jogo, ele não se conteve e disse:
– Se o senhor tivesse ideia da mulher fascinante que conheci em Ialta!
O funcionário sentou-se no trenó e partiu, mas de repente virou-se e gritou: – Dmítri Dmítritch!
– O quê?
– O senhor estava certo hoje cedo. O esturjão estava estragado.
De repente, essas palavras, tão comuns, por algum motivo deixaram Gúrov indignado e lhe pareceram humilhantes, impuras. Que costumes selvagens, que caras! Que noites sem sentido, que dias desinteressantes, sem nada de importante! Frenéticos jogos de cartas, comilança, bebedeira, conversas sempre sobre o mesmo assunto. Essas atividades inúteis e as discussões consumiam as melhores parcelas do tempo, as melhores forças, e, no final, restava uma vida limitada, prosaica, uma idiotice, mas sair dela, fugir, era impossível, como se a pessoa estivesse trancada num hospício ou numa penitenciária!
Gúrov não dormiu aquela noite, indignado, e depois passou o dia inteiro com dor de cabeça. Nas noites seguintes também dormiu mal, ficava sentado o tempo todo na cama, pensando, ou caminhava de um lado para o outro. As crianças o entediavam, o banco também, não queria ir a lugar nenhum nem conversar sobre nada.
Em dezembro, nos feriados, ele se preparou para viajar. Disse à mulher que ia a Petersburgo resolver um assunto para um rapaz e foi para S. Para quê? Ele mesmo não sabia bem. Queria ver Anna Serguêievna, falar com ela, marcar um encontro, se possível.
Chegou a S. pela manhã e ocupou o melhor quarto do hotel. O chão era forrado de lã cinzenta grosseira, igual à dos casacões dos soldados; sobre a mesa havia um tinteiro coberto de pó, com um cavaleiro de braço levantado, segurando uma espada e sem cabeça. O porteiro do hotel lhe deu as informações necessárias: von Dideritz morava na rua Staro-Gontchárnaia, em casa própria, perto do hotel. Vivia bem, era rico, tinha carruagem, todos o conheciam na cidade. O porteiro pronunciava Dríderitz.
Gúrov caminhou sem pressa para a rua Staro-Gontchárnaia, procurando a casa. Exatamente na frente dela havia uma longa cerca cinzenta com pregos.
“Qualquer um fugiria dessa cerca” – pensou Gúrov, olhando ora para as janelas, ora para a cerca. E refletia: “Hoje é feriado e o marido provavelmente está em casa. E, de qualquer modo, seria falta de tato entrar na casa e causar um constrangimento. Se eu enviar um bilhete, ele pode cair nas mãos do marido, estragando tudo. O melhor é confiar no acaso.” E continuou a caminhar pela rua, perto da casa, esperando por esse acaso... Viu um mendigo entrar no portão e os cachorros o atacarem. Uma hora depois, ouviu um piano, e os sons chegaram até ele fracos, confusos. Provavelmente era Anna Serguêievna quem tocava. De repente, a porta principal se abriu e por ela saiu uma velha; atrás dela corria o lulu branco, seu conhecido. Gúrov quis chamar o cãozinho, mas seu coração disparou e, com a emoção, não conseguiu lembrar o nome do cachorro.
Continuou a caminhar, odiando cada vez mais a cerca cinzenta e, irritado, já pensava que Anna Serguêievna o esquecera, que talvez ela já estivesse se divertindo com outro, o que era perfeitamente natural na situação de uma mulher jovem que era obrigada a ver aquela maldita cerca da manhã à noite. Regressou ao seu quarto de hotel e ficou sentado no divã durante muito tempo, sem saber o que fazer; depois almoçou e em seguida dormiu longamente.
“Como tudo isso é tolo e agitado!” – pensava ele, ao acordar, vendo as janelas escuras: já era noite. “Aí está, dormi demais. E agora, o que vou fazer à noite?”
Ficou sentado na cama forrada com um cobertor cinzento barato, como os de hospital, e se recriminava, aborrecido: “Aí está sua dama do cachorrinho... Aí está sua aventura... Agora fique aqui sentado!”
Naquela mesma manhã, na estação, ele notara um cartaz com letras enormes: pela primeira vez na cidade seria apresentada A gueixa.  Lembrou-se disso e rumou para o teatro. “É muito provável que ela vá às estreias” – pensou.
O teatro estava lotado. Ali, como em geral em todos os teatros de província, uma névoa subia acima do lustre e havia muito ruído e agitação na galeria. Na primeira fila, antes do início do espetáculo, os janotas locais esperavam de pé, com as mãos nas costas; no camarote do governador, na cadeira da frente, estava sentada sua filha, de boá; já ele próprio se escondera discretamente atrás da cortina e só eram visíveis suas mãos. No palco a cortina balançava, a orquestra afinava demoradamente os instrumentos. Gúrov o tempo todo procurava avidamente com os olhos, enquanto o público entrava e ocupava seus lugares.
Entrou também Anna Serguêievna. Sentou-se na terceira fila, e quando Gúrov olhou para ela sentiu um aperto no coração, compreendendo claramente que, para ele, naquele momento não existia no mundo ninguém mais próximo, caro e importante. Perdida na multidão provinciana, aquela pequena mulher, sem nada de especial, com um lorgnon vulgar na mão, enchia agora toda a sua vida, era a sua dor, a sua alegria, a única felicidade que ele desejava para si; e, ao som de uma orquestra ruim, de violinos mal tocados e simplórios, ele pensava em como ela era bonita. Pensava e sonhava.
Junto com Anna Serguêievna, entrou e sentou-se um homem jovem com pequenas suíças, muito alto e meio curvado; a cada passo ele baixava a cabeça, dando a impressão de estar constantemente fazendo reverências. Era com certeza o marido, que, num acesso de amargura, em Ialta, ela chamara de lacaio. De fato, na sua figura esguia, nas suíças, na pequena calva, havia um quê de discrição de lacaio; ele sorria com doçura e em sua lapela brilhava um distintivo de alguma sociedade científica que lembrava uma plaquinha com número de lacaio.
No primeiro intervalo, o marido saiu para fumar e Anna permaneceu na poltrona. Gúrov, que também estava na plateia, aproximou-se dela e disse com voz trêmula, sorrindo forçado:
– Boa noite.
Ela olhou para ele e empalideceu, depois olhou novamente com pavor, sem crer nos seus olhos, e apertou nas mãos o leque junto com o lorgnon, aparentemente lutando consigo mesma para não desmaiar. Ficaram calados: ela, sentada; ele, de pé, assustado com o constrangimento dela e sem coragem de se sentar ao seu lado. Soaram as afinações dos violinos e das flautas; de repente os dois ficaram apavorados, pois parecia que de todos os camarotes olhavam para eles. Ela se levantou bruscamente e caminhou depressa para a saída; ele a seguiu e eles foram andando sem saber para onde, pelos corredores, pelas escadas, ora subindo, ora descendo, e na sua frente perpassavam uniformes de funcionários do judiciário, de professores de escolas, de servidores do udel, todos com distintivos; vislumbravam-se rapidamente senhoras andando, casacos de pele pendurados nos cabides, e soprava um vento encanado que espalhava o cheiro de tabaco das pontas de cigarros. Gúrov, com o coração batendo apressado, pensava: “Ó Deus, para que essas pessoas, essa orquestra...”.
Nesse momento, de repente ele se lembrou que naquela noite, na estação, ao se despedir de Anna Serguêievna, ele dissera a si mesmo que tudo estava terminado e que eles não se veriam mais. Mas como ainda estava distante o fim!
Numa escada estreita, sombria, onde estava escrito “Entrada para o anfiteatro”, ela parou.
– Que susto o senhor me deu! – disse ela ofegante, ainda pálida e aturdida. – Ai, como me assustou! Estou quase morta. Para que veio aqui? Para quê?
– Me entenda, Anna, me entenda... – disse ele rápido e em voz baixa. – Eu lhe imploro, me entenda...
Ela olhava para ele com terror, com súplica, com amor, olhava fixamente para gravar com firmeza na memória o seu rosto.
– Eu sofro tanto! – continuou ela, sem ouvi-lo. – Todo o tempo só penso no senhor, minha vida é pensar no senhor. E só o que eu queria era esquecer, apenas esquecer. Mas por que, por que o senhor veio?
Num patamar acima deles, dois alunos do ginásio fumavam e olhavam para baixo, mas Gúrov não se importou, puxou Anna Serguêievna para si e começou a beijar seu rosto, suas mãos.
– Que está fazendo, que está fazendo! – dizia ela aterrorizada, afastando-o de si. – Nós dois enlouquecemos. Parta hoje mesmo, parta agora... Eu lhe suplico, por todos os santos, eu lhe imploro... Vem vindo gente!
Alguém vinha subindo a escada.
– O senhor deve ir embora... – sussurrou Anna Serguêievna. – Está ouvindo, Dmítri Dmítritch? Vou me encontrar com o senhor em Moscou. Eu nunca fui feliz, sou infeliz agora, e nunca, nunca serei feliz, nunca! Não me faça sofrer ainda mais! Juro que vou a Moscou. Mas agora vamos nos separar. Meu querido, meu bom amigo, meu amor, vamos nos separar!
Ela apertou a mão dele e desceu rapidamente a escada, voltando-se o tempo todo para olhá-lo, e nos seus olhos via-se que realmente ela não era feliz... Gúrov ficou ali de pé por algum tempo, de ouvido atento, depois, quando tudo silenciou, pegou seu casaco e saiu do teatro.
IV
Anna Serguêievna passou a encontrá-lo em Moscou. Uma vez a cada dois ou três meses, ela partia de S. e dizia ao marido que ia consultar um professor por causa de um problema ginecológico – o marido acreditava e não acreditava. Em Moscou, ela se hospedava no Slaviánski Bazar[66] e imediatamente enviava a Gúrov um mensageiro. Gúrov ia vê-la e ninguém em Moscou sabia disso.
Ele caminhava ao encontro dela no hotel, em certa manhã de inverno (o mensageiro estivera em sua casa na noite anterior, mas não o encontrara), e com ele ia sua filha, que ele tivera vontade de acompanhar até o ginásio, localizado no caminho. Caía uma neve graúda e úmida.
– Está fazendo três graus acima de zero e mesmo assim está nevando – dizia Gúrov à filha. – É porque está quente apenas na superfície da terra. Já nas camadas mais altas da atmosfera a temperatura é completamente diferente.
– Papai, por que não há trovões no inverno?
Ele explicou isso também. Enquanto falava, ele pensava que estava indo para um encontro e que ninguém sabia disso, e provavelmente ninguém jamais saberia. Ele tinha duas vidas: uma evidente, que aqueles que achavam isso importante viam e conheciam, uma vida cheia de verdades convencionais e de mentiras convencionais, exatamente igual à vida de seus conhecidos e amigos; e outra vida que transcorria em segredo. Por uma estranha e talvez fortuita coincidência, tudo o que para ele era relevante, interessante, indispensável, aquilo em que ele era sincero e não enganava a si mesmo, que constituía o âmago de sua vida, não era do conhecimento das outras pessoas, e tudo o que era sua mentira, sua casca, na qual ele se escondia para encobrir a verdade, como, por exemplo, seu trabalho no banco, as discussões no clube, sua “raça inferior”, o comparecimento com a esposa aos jubileus, tudo isso transcorria às claras. E ele julgava os outros por si mesmo, não acreditava no que via, supondo sempre que para cada pessoa, sob o manto do segredo, assim como sob o manto da noite, se passava a sua verdadeira vida, a mais interessante. Cada existência pessoal sustenta-se no segredo, e talvez seja por isso que o homem educado exige tão nervosamente respeito à sua privacidade.
Depois de deixar a filha no ginásio, Gúrov se dirigiu ao Slaviánski Bazar. Ainda na portaria tirou o casaco de pele, subiu e bateu levemente na porta. Anna Serguêievna, com o vestido cinza de que ele mais gostava, cansada da viagem e da espera, aguardava-o desde a noite anterior; estava pálida, olhava para ele sem sorrir e, assim que ele entrou, apertou-se contra o seu peito. Como se tivessem passado uns dois anos sem se ver, seu beijo foi longo, demorado.
– Então, como vai a vida lá? – perguntou ele. – Quais as novidades?
– Espere, já vou dizer... Não consigo.
Ela não conseguia falar porque estava chorando. Ficou de costas para ele e cobriu os olhos com o lenço. “Bem, que chore um pouco, enquanto isso vou me sentar” – pensou ele, acomodando-se na poltrona.
Depois tocou a sineta e pediu que trouxessem chá; e enquanto ele bebia o chá, ela continuava de pé, voltada para a janela... Ela chorava porque sentia angústia e também porque tinha a amarga consciência do rumo triste que suas vidas haviam tomado; eles se viam apenas às escondidas, ocultavam-se dos demais como se fossem ladrões! Por acaso as suas vidas não estavam destruídas?
– Ora, vamos, pare de chorar! – disse ele.
Estava evidente para ele que aquele amor não terminaria tão cedo, mas quando, isso era impossível saber. Anna Serguêievna apegava-se a ele cada vez mais, adorava-o, e seria inconcebível dizer a ela que aquilo algum dia deveria ter um fim; e ela nem acreditaria nisso.
Ele se aproximou e pôs as mãos nos seus ombros, para fazer um carinho, um gracejo, e nesse momento viu-se no espelho.
Seus cabelos já começavam a ficar grisalhos. Ele achou estranho que tivesse envelhecido tanto ultimamente e que estivesse com tão má aparência. Os ombros em que descansavam suas mãos estavam quentes e tremiam. Sentiu compaixão por essa vida que ainda tinha calor e beleza, mas que provavelmente já estava próxima de começar a perder a cor e a murchar, do mesmo modo que a vida dele. Por que ela o amava daquela maneira? Ele sempre parecera às mulheres ser outra pessoa, diferente do que era na realidade, e elas amavam não a ele, mas alguém que sua imaginação havia criado, alguém que elas procuravam ansiosamente em suas vidas. E, mais tarde, quando percebiam seu engano, ainda continuavam a amá-lo. E nenhuma fora feliz com ele. O tempo passava, ele conhecia outra mulher, começava uma nova relação, depois se afastava, mas não amou nem uma vez; chame-se aquilo como se quiser, apenas não era amor. E somente agora, quando sua cabeça já estava ficando grisalha, ele começou a amar de verdade, como deveria – e pela primeira vez em sua vida.
Anna Serguêievna e Gúrov amavam-se como duas pessoas muito íntimas, como marido e mulher, como ternos amigos; parecia-lhes que o próprio destino escolhera um para o outro, e não entendiam por que ele tinha uma esposa e ela um marido; era como se eles fossem duas aves migratórias, macho e fêmea, que foram capturadas e obrigadas a viver em gaiolas separadas. Eles perdoaram um ao outro aquilo de que se envergonhavam no seu passado, perdoaram tudo do presente e sentiam que seu amor havia transformado a ambos.
Antes, nos momentos tristes, ele se tranquilizava com todo tipo de racionalizações que viessem à sua cabeça, mas agora ele não queria ser racional, pois a compaixão que sentia era profunda e ele queria ser sincero, carinhoso.
– Pare de chorar, minha querida – dizia ele –, chorou um pouco, já chega... Agora vamos conversar, pensar em alguma coisa...
Eles ficaram longamente trocando conselhos, falaram de como se livrar da necessidade de se esconder, de enganar, de viver em cidades diferentes, de ficar muito tempo sem se ver. Como se livrar dessas cadeias insuportáveis?
– Como? Como? – perguntava ele com as mãos na cabeça. – Como?
E parecia que, mais um pouquinho, a solução seria encontrada, e então uma nova vida começaria, uma vida maravilhosa; porém, para ambos estava claro que ainda estava muito longe o fim e que o mais complicado e difícil estava apenas começando.
Dezembro de 1899


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